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Da Sua Primeira Pomba

Primeira pomba — era assim que ela me chamava. Sou sua primeira neta, e foi ela quem me deu essa curiosa alcunha.


Vovó Therezinha sempre foi, para mim, uma avó divertida, cheia de histórias da sua infância em Cuiabá. Contava dos nomes engraçados de seus amigos daquela cidade que, segundo ela, era pacata e cheia de árvores que faziam sombra — bem diferente da cidade em que se transformou, sem mais os jardins internos nas casas.


A Primeira Pomba

Nunca visitei sua cidade natal, mas parecia conhecê-la como a palma da minha mão por causa das inúmeras histórias que ela contava: do acidente na infância, ao cair sobre uma cerca de ferro e ficar um ano na cama sem andar — história que sempre me impressionou — à sua força, suas travessuras, e ao mesmo tempo sua organização impecável com a vida e as finanças.


Lembro de ir algumas vezes ao seu trabalho na Secretaria de Saúde do Estado. Por mais simples que fosse, para mim era um sonho. Recordo até hoje do seu estojinho preto de couro onde guardava lápis, borracha e canetas. Pegava ônibus do Leblon até o Centro — e de lá vinham mais histórias, como a do homem bêbado que, numa curva, caiu dormindo sobre seu pé, chegando a quebrá-lo. História trágica, sim, mas que virava comédia na sua boca, sempre acompanhada de suas risadas deliciosas.


Vovó era assim. Ariana intensa, ia do riso à raiva, da implicância ao elogio num piscar de olhos.


A sua primeira pomba

Na adolescência, comecei a frequentar ainda mais a casa dela, por conta da praia. Acabava passando fins de semana e até dias da semana por lá, depois das aulas de esgrima com meu primo Inoã e minha tia Leila. Dormia no seu quarto — e mesmo tendo que encarar seu famoso ronco, eu amava! Casa de avó, sabe como é?


Alguns anos depois, me mudei de mala e cuia para morar com ela. Um acordo meio maluco de “vou te fazer companhia”, já que ela voltara a morar sozinha, e eu sonhava desde os 3 anos com um quarto só meu.


Vovó Therezinha virou minha segunda mãe, num pacto silencioso e cheio de afeto, que durou até os meus 27 anos, quando casei pela primeira vez. Foram anos de muitas lições de vida: sobre autoestima — como ela dizia que sempre se achou bonita e confiante, sem o menor pudor —, sobre família, nos almoços de domingo que reuniam todos. Sobre amizade, nas nossas idas ao Talho Capixaba, nas fofocas, nas novelas assistidas juntas.


Lembro da carta que escrevi chorando ao me despedir da sua casa quando casei pela primeira vez. Menos de dois anos depois, me divorciei... e voltei para sua companhia. Foram quase mais sete anos juntas, até meu segundo casamento e a mudança para os EUA.

Nestes 10 anos morando fora e visitando o Brasil em quatro ocasiões, eu sempre recarregava meu coração ao estar com ela. Pedia que repetisse as histórias que eu amava ouvir, folheava seus álbuns de fotos, perguntava sobre pessoas do passado, pedia a cuca de banana, recebia cafuné com suas unhas compridas.


Da sua primeira pomba

Ah, se deixar, fico aqui para sempre relembrando... até mesmo quando ela fingia que tinha entendido, mas na verdade o aparelho auditivo estava desligado!


Ah, Vovó Therezinha... amante da vida, da cerveja gelada, do sorvete de creme que às vezes escondia das visitas. Na última visita que fiz, apresentei meu filho peludo, meu cachorro Herkey. Ela nunca conseguia pronunciar o nome dele direito, mas o jeito dela falar era o mais lindo e amoroso possível — o jeito Therezinha de ser.


A sua primeira pomba está aqui, se tratando, ficando forte, inspirada na sua maneira de viver e ver a vida. Te amo!


Apoio a Rita Avellar em seu tratamento contra o câncer

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